Devaneios da Faxineira de Ilusões e o Menino que se foi
A solidão gira em torno do meu mundo e é mansa, já faz parte de minha existência e, por mais difícil de entender, já é companheira..
Assustada, escuto de minha alma o prenúncio de um despertar, de um desencantar, de um não-querer no ar...
Entristecida, porém, consciente pois a minha vida sempre foi formada por etapas, sustos, acontecimentos, sonhos encantados, asas ícarianas derretidas pelo inclemente sol a desafio, exigo-me pacificação interior.
Inquieta, eu busco respostas para os meus mergulhos e lamentos de alma doída. Quem responderá aos meus prantos?
Quem percorrerá o meu labirinto emocional e tão cheio de encantos que não quiseram enxergar?
Como entender os tortuosos caminhos borgeanos que parecem ser meus, quem?
A noite já apareceu.
Acomodada em meu estado solitário e observando a encantada visão da lua, das estrelas e de Vênus, sussurro recados silenciosos.
Quem poderá ouvi-los a não ser a minha própria alma?
Silente, constato que a noite já está enluarada de sono...
Faxineira de sonhos, continuo a insistir no estar acordada. Os meus pensamentos permanecem acesos, antevendo o fim das horas noturnas, a solidificação de um rompimento e a confirmação de que a vida está findando, sentindo que é hora, como a manhã que já chegará, de anunciar madrugadas. Penso que também assim são a vida, o homem, os sentimentos, os amores, as palavras, as mentiras e as ações. Obedecem ao ciclo natural: chegam e vão embora. Deixam rastros de luz ou escuridão e somem.
O sono não chega para mim, Faxineira que guarda as ilusões nas gavetas afetivas. Alerta-me para os bloqueios que inventaram como impedimento à plenitude dos desejos e da paixão, que dá as mãos ao amor e ao sentimento amadurecido de seres impossibilitados de vivenciar o mundo da felicidade, por estar escuro demais.
Encantada pela irreal vontade de sobrevoar outros espaços, pois a melancolia e a nostálgica opção de escolha na vida não me permitem que realize esse sonho, viro caracol, embalando os meus sentimentos, guardando todas as palavras que poderiam ser ditas e nunca quiseram ouvi-las, sentindo, embora na noite, o meu sol interior brilhar, que só a mim pertence, só a mim acarinha, só a mim enxerga, só a mim quer. E insisto em não dormir. Porque, eu, Faxineira de Ilusões, continuo a sonhar.
A noite amplia o seu poder. Hoje, minha alma está macerada por uma dor alheia que a solidariedade e o bem querer nos aproxima. Uma dor que paralisa e angustia. Uma dor que testa a fé e os valores que acreditamos.
Um menino morreu! É preciso silêncio respeitoso...
Seu corpo inerte alerta para as mazelas que guardamos em nossos corações e geralmente colocamos amarras para perceberem. Todos nós temos gritos presos! Todos nós, todos nós.
Um menino morreu e a sua essência permanece intacta, querida, inesquecível, porque é necessário que deixe companhia para quem chora a sua perda.
A noite está calma, clima ameno, céu iluminado, a lua jogando todo o seu fascínio para seres frágeis que se deixam enfeitiçar e gostam de Vênus. Ainda.
A noite está silenciosa, regida apenas pela música que faz bem e pela tristeza por um Menino que se foi.
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Já é um novo dia... não sei porque não adormeço com a noite jovem iniciando a sua trajetória. É como se não quisesse deixar de respirar todos os momentos de minha vida que vão passando e eu preciso vivê-la, usufruí-la antes que chegue o momento de adormecer na perenidade e não mais acordar...
A tarde foi muito intensa para mim... tensa em uns momentos, atribulada em outros. Mas vou catando a cada instante os farrapos de ilusões que teimei em semear, como se fosse uma vendedora de sonhos que se descobriu amputada em seu cantar e deixou cair o que acreditava e pensa que nunca existiu. Por isso vou catando os pensamentos, os desejos, as ânsias, os temores, a tão próxima queda no espaço abismal... Por isso teimo em sonhar...
Os sonhos são tão importantes! O seu papel, talvez o mais fundamental, é criar no psiquismo de um ser magoado uma espécie de equilíbrio compensador. Por isso continuo catando as suas migalhas que atravessam o sono e passam a existir até em minha vida acordada. Não se pode dar vida à carência de sonhos, para não criar desequilíbrios... Não sonhar faz tanto mal!
O dia chegado já pede licença ao que foi dormir.
Precisa dar vazão à sua volúpia: antecipar outros que são dias feitos, também para a primeira conjugação. sonhar... amar... trocar... chorar... voar... suavizar... martirizar... aguardar...
inutilizar... chegar... enganar... abraçar... olhar. Final de semana pode ser conjugado por tantos verbos!
A noite está calma, clima gostoso, céu iluminado, a lua jogando todo o seu fascínio para um ser frágil que se deixa enfeitiçar e ainda gosta de Vênus...
É noite e um Menino se foi.